Sing Sing (2023)
- Douglas Moutinho
- 22 de fev.
- 2 min de leitura
E a reabilitação através da arte
Michel Foucault dedicou considerável parte de sua vasta produção intelectual à análise das complexas relações de poder, e, dentro desse domínio, à função do encarceramento e da punição nas sociedades contemporâneas. Em sua obra seminal Vigiar e Punir, o pensador francês realiza uma meticulosa reflexão sobre a evolução das práticas punitivas, destacando como um sistema de penalidades, anteriormente marcado pela brutalidade, foi gradualmente substituído por um modelo mais sutil, cujo núcleo está na regulamentação e controle do comportamento social. Segundo Foucault, a sociedade moderna impõe um regime de vigilância contínua, disseminada por métodos discretos. Para ilustrar essa transformação, o filósofo desenvolve o conceito de panóptico, inspirado na estrutura arquitetônica prisional, em que um único guarda poderia vigiar todos os prisioneiros sem que estes soubessem se estavam sendo observados, criando assim a ilusão de uma vigilância incessante, mesmo na sua ausência efetiva.
A história retratada em Sing Sing exemplifica bem as repercussões dessa dinâmica de poder e nos minutos iniciais do filme podemos até nos perguntar: estariam os presos dedicados ao teatro apenas para se sentirem livres da contínua vigilância?

A narrativa fílmica aborda o percurso de um conjunto de prisioneiros envolvidos no programa de reabilitação Rehabilitation Through the Arts (RTA), uma iniciativa que utilizava a arte como ferramenta de transformação e reintegração. Ao longo do processo, os detentos eram incentivados a participar de produções teatrais e atividades literárias, com o intuito de promover o confronto com seus próprios sentimentos, num esforço de recuperação pessoal e moral.
O ator Colman Domingo, que dá vida ao protagonista, assume o papel de um homem injustamente encarcerado, há anos dedicado ao RTA, e que se envolve ativamente na direção, atuação e escrita de diversas peças teatrais dentro da prisão. Ele contracena com vários ex-detentos que participaram do RTA, imbuindo a obra de certo realismo e criando maior conexão única com o público.
O filme apresenta uma abordagem honesta e sem excessos melodramáticos, centrando-se nas relações humanas complexas que se desdobram no interior da prisão. O questionamento central da obra gira em torno do poder redentor da arte: seria ela capaz de salvar os indivíduos, redimindo-os de suas falhas passadas e oferecendo-lhes uma nova razão para a continuidade da vida?
A unidade estilística da produção é bem definida. A câmera se aproximando das personagens em instantes meticulosamente escolhidos, movendo-se com uma delicada instabilidade e apresentando uma imagem, por vezes, ruidosa. Os interlúdios de silêncio se entrelaçam com uma trilha sonora sutil, que, ao emergir, infunde à trama maior carga emocional, intensificando a experiência do espectador.

O filme angariou três merecidas indicações ao Oscar: Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator e Melhor Canção Original. Não seria, contudo, uma surpresa se figurasse entre outras categorias, incluindo a de Melhor Filme, dada a força de sua proposta cinematográfica e o impacto de sua mensagem.
Crítica do Filme Sing Sing: por Douglas Esteves Moutinho
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