Pequenas Coisas como Estas (2024)
- Douglas Moutinho
- 22 de mar.
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de mar.
Silêncio, Abusos Institucionais e a Passividade Diante da Dor Alheia
Ambientado no Natal de 1985, em uma modesta cidade irlandesa, Pequenas Coisas como Estas narra a história de Bill Furlong, um vendedor de carvão de condições financeiras limitadas que leva uma existência monótona. Sua rotina diária é uma repetição mecânica de entregas, transações comerciais, retorno ao lar, uma meticulosa limpeza das mãos, jantares em família com sua esposa e cinco filhas, e noites insones.

Em determinado momento, durante uma de suas entregas a um convento, Bill encontra uma mulher trancada em um depósito. Movido por um impulso de compaixão, ele decide ajudá-la, mas logo descobre que ela será devolvida às irmãs do convento, que administram uma Lavanderia de Magdalena, um local onde mulheres socialmente estigmatizadas – por engravidarem fora do casamento, por exemplo — eram enviadas para "purificar-se". Este episódio revela a conexão de Bill com essas mulheres, sendo que seu vínculo com o passado dessas vítimas de um sistema opressor é progressivamente desvelado ao público por meio de flashbacks que lançam luz sobre as sombras de sua própria história.
Com uma estética lenta, densa e sensível, o filme conduz o espectador ao universo interior de seu protagonista, cuja jornada emocional se torna o eixo principal da narrativa. A performance de Cillian Murphy, que retorna às telas após sua consagração no Oscar de Melhor Ator por seu papel em Oppenheimer, é um dos grandes pilares da obra. Murphy, em uma interpretação contida e de pouco diálogo, transmite uma carga emocional complexa, expressa não por palavras, mas por olhares furtivos, gestos discretos e ações de caridade. A maneira como ele constrói um personagem introvertido, de bom coração, mas marcado pelo sofrimento silencioso, cria uma empatia única com o público, tornando-se o coração do filme.

A direção de Tim Mielants, precisa e meticulosa, consegue resgatar o potencial dramático de um roteiro que, por vezes, falha em dar a devida atenção às mulheres que deveriam ser o foco da história. O filme, em muitos momentos, centra-se excessivamente no protagonista, relegando ao segundo plano o desenvolvimento das personagens femininas e o universo da lavanderia. Contudo, essa omissão pode ser interpretada não como um erro, mas como uma escolha estilística deliberada, uma vez que cabe ao diretor e ao roteirista decidir o que revelar e o que ocultar. O resultado dessa abordagem, por mais que nos conecte profundamente com Bill e sua visão de mundo, levanta questões sobre a eficácia de um retrato que, embora comovente, acaba por ofuscar a narrativa das mulheres cujas experiências de abuso e sofrimento deveriam ser, em última instância, o centro da reflexão do filme.
Por fim, Pequenas Coisas como Estas se configura como uma jornada intimista que questiona não apenas o papel das instituições tradicionais e opressivas, como também oferece uma reflexão profunda sobre a passividade diante do mal. O filme instiga o espectador a ponderar sobre as consequências de ser um observador mudo da dor alheia e os desdobramentos que a inação pode ter na vida das pessoas envolvidas.
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